14.2.14

Qatar I

O Qatar nunca existiu no meu Universo. Para ser franca, sabia que fazia fronteira com a Arábia Saudita e que era uma península banhada pelo Golfo Pérsico.
Quando o A. começou a falar do país aprofundei o pouco que sabia, ou seja, google e fiquei com mais alguns elementos.

O que é facto é que nós europeus (e eu sou tão e cada vez mais europeia), nunca estaremos verdadeiramente informados ou preparados para viver num país do Médio Oriente.

É tudo diferente... por muito que o A. me tivesse dado imensas ideias, exemplos do que era, só quando aqui cheguei e comecei a viver este mundo, é que as diferenças se tornaram palpáveis, reais...

O Qatar tem um Emir. Todos os outros orgãos administrativos não existem ou são "formalmente" ocupados pelo resto da família. O engraçado é que há ministérios para tudo, até para a agricultura que aqui há, num cultivo do tamanho do estádio da Luz, vá. Mas o Ministério é enorme, com imensos andares... Os qataris são muito poucos em número cerca de 350.000. Esses são riquíssimos por causa do gás natural. Tudo o resto são emigrantes qualificados com um nível de vida médio e os pobres (paquistaneses, filipinos, egípcios,...) que têm alguns poucos negócios e são geralmente os funcionários dos restaurantes, cafés, etc... São também os operários da construção desenfreada que há aqui.

Não há legislação laboral. Aqui as obras são contínuas (24h sob 24h). Fazem turnos de 12h seguidas, vivem em contentores nos limites da cidade de Doha, todos juntos e ao molho e têm meia folga por semana.

Também não há lei do ruído como em qualquer país civilizado, por isso se por azar vivermos ao lado de um prédio em construção, não dormimos e pronto. A polícia não pode fazer nada e o dono da obra não a vai parar.

É das primeiras coisas que notamos em Doha... a imensa construção... Completos elefantes brancos, já que não há população em número que habite ou utilize para escritórios esses edifícios.





O trânsito é um caos. Dizem que é igual em todo o Médio Oriente, Norte de África, Indía... Mas nunca tinha visto nada assim. Buzinam sempre por nada e por coisa nenhuma. Atiram-se sem piscas, sinais, alertas... saiem dos parques de estacionamento quando querem, não páram nas rotundas... Quase todos têm carros enormes, jipes, carrinhas... sobem passeios porque querem virar à direita, sobem só porque sim.
Como as auto-estradas aqui atravessam o deserto, quem tem jipes evita o trânsito a conduzir pela berma... Conduzem com o Iphone numa mão e o BB na outra...

Não ando tapada ao contrário do que todos perguntam. Não ando de mini-saias, mini-calções e não uso decotes. Quem me conhece sabe que em Lisboa também não uso, por isso não tive uma adaptação radical. 
Alguns cuidados com os ombros, sempre tapados, com lenços ou casacos. Não há propriamente problema em andar "destapada" na rua, mas se os ombros estiverem destapados, houver decotes ou vestidos curtos e justos, os homens olham. E olham muito e à descarada. Mesmo que o A. esteja ao pé de mim, eles não se páram de olhar. É uma sensação desconfortável que prentendo evitar sempre.

As mulheres andam normalmente tapadas. Depende do marido ou do pai se podem andar com a cara à mostra ou não. Normalmente essa obrigação surge com a mudança de idade, mas já vi meninas pequenas tapadas, por isso não há regra.

Parecem todas iguais, umas ninjas. No entanto, começamos a perceber que os panos são de melhor ou pior qualidade, que alguns têm alguns relevos nas extremidades, alguns poucos brilhantes, enfim... Também dá para perceber quando se sentam que usam sapatos Prada, MB, etc... enchem tudo o que seja loja de lingerie e é vê-las com os modelitos mais inacreditáveis nas mãos.

Os homens também parecem andar sempre de igual, mas depois reparamos nas diferenças dos panos, das cores... já distinguimos se são omanitas, iranianos,... o A. distingue-os muito bem, eu ainda estou a aprender.

O Qatar é a cidade de Doha. O país já de si é mínimo, cerca de 11.000 Km2. Até meados do séc XX as únicas fontes de sobrevivência do país eram as pérolas e alguma pesca. Foi um pretetorado britânico até 1971, altura em que se tornou independente e em que começou a viver do petróleo e do gás natural.

Não lhes falta dinheiro e chega a ser imoral os montantes gastos nas coisas mais inacreditáveis que são usadas um ano ou alguns meses e depois abandonadas. Perto de casa há um stand de "Bentleys" abandonado, com os carros lá dentro a ganharem pó...

Aqui interessa sobretudo o "status". Os melhores carros, as melhores roupas... quando os rapazes atingem determinada idade é-lhes oferecido um falcão. Há um souq só de falcões. Alguns caríssimos, de milhares de euros.
Já vi miúdos que aparentavam menos de 18 anos a conduzir Porshes e coisas que tais... Claro que sem o mínimo de treino ou minimamente civilizados.

Outro dos problemas deste país é que apesar do dinheiro não há investimento em nada. Investem alguma coisa em desporto. Aliás, gastam muitos milhares em desporto mas que na verdade, em termos de provas como o ATP, ciclismo, etc... não têm a menor relevância para os atletas, que usam os torneios aqui como treino para provas de facto importantes.

Não há investimento cultural. Com excepção do Museu de Arte Islâmica (lindíssimo e do qual falarei num outro post), não há mais nada para fazer.

Nota-se a preocupação com a família. É uma estrutura importante. Vão juntos para os parques e às compras. Claro que os ricos têm uma ou mais filipinas que tomam conta das crianças, mas é curioso ver que os homens, pais, apesar de normalmente andarem à frente das mulheres, pegam nas crianças e brincam com elas. Empurram carrinhos de bebé e dão-lhes atenção.
No entanto, nunca vi crianças mais mal educadas do que aqui. Não há ninguém que lhe pare as birras. Não há ninguém que lhes diga que não podem berrar. Claro que há miúdos birrentos em todas as partes do mundo, mas nunca vi pais/educadores tão pouco interessados na educação das crianças.

Há mesquitas por todo o lado... em Centros Comerciais e em Estações de Serviço. Rezam imenso... Se estivermos no supermercado na exacta hora da reza, começamos a ouvir o corão. O mesmo na televisão: a emissão pára, começam a aparecer imagens de mesquitas e ouvimos o corão.

Não há carne de porco ou derivados e não há álcool para venda em lugar nenhum. Claro que se tivermos autorização de residência ou formos nacionais podemos comprar numa espécie de Makro de álcool que há na cidade.

O que é triste é a hipocrisia destas pessoas, que são as primeiras a vestir-se normalmente quando vão para a Europa. É vê-los a beber álcool no avião e as senhoras a tirar os panos e subitamente ficarem mulheres "normais"... 

Agradeço verdadeiramente todos os dias ter nascido onde nasci. Poder manifestar-me, existir, ser, criticar, adoptar padrões de vida e de conduta. Poder escolher não viver numa hipocrisia.

Vou parar por aqui... começa a ficar chato e só com aspectos negativos. Vou preparar outro post com aquilo que é engraçado e diferente.

8.2.14

"Take the leap"

Há sensivelmente um ano a minha vida começou a mudar.
Claro que eu não sabia, só vim a descobrir algum tempo mais tarde.

Há sensivelmente um ano atrás eu estava cansada, fechada, farta... como qualquer pessoa que perdeu o ponto de equilibrio e balança de um lado para o outro só para se manter em movimento. Sem direcção e só "porque sim".

Há sensivelmente um ano atrás apareceu o A. O A. não apareceu porque ele já existia, mas nunca me tinha permitido vê-lo. Longe, por FB, skype, Whatssapp,... O Qatar nunca tinha existido na minha geografia a não ser por ele.

E foi assim que após quatro meses de distância, e três em presença, com uma viagem à América do Sul pelo meio, percebemos que vivermos longe não fazia sentido.

Pesados os prós e os contras a vida dele aqui no Qatar (sim, estou aqui a viver e para o mês que vem vou viver para Madrid, mas isso é outra história), decidimos que era mais vantajoso eu vir ter com ele. 

O A. voltou em Setembro e passados 4 dias eu avisei na empresa que ía embora porque queria vir ter com ele. A enorme quantidade de trabalho fez com que demorasse dois meses inteiros a despachar os processos que tinha em mãos. Acabei 3 dias antes da data que me tinha comprometido e no dia 18/11 embarquei para Doha.

Se foi um salto no escuro? Não! O amor ilumina os caminhos. E apesar de ser piegas, ser "cliché", é verdade: eu larguei familia, amigos, casa, carro, trabalho por amor e não me arrependo nem um bocadinho.

A vida aqui? Merece outro post!